QUAL É A GRAÇA?
Tudo começou quando eu tinha apenas seis anos. Minha mãe, animada com a perspectiva de me levar a um novo e inovador programa de “mamãe e filhinha”, como chamávamos nossas saídas, decidiu que me levaria ao Circo. Que ideia! Por que não exibir à sua delicada e frágil filha — mas já muito consciente dos severos perigos que a vida oferecia — pessoas arriscando sua integridade para entreter uma barulhenta plateia numa lotada tenda escura?
A sentença já estava definida: tremores, soluços e muito choro (sem exagero aqui). Não havia pipoca ou doce que resolvessem a questão. Decepcionada, mas sem escolha, minha mãe me levou de volta para casa e as semanas seguintes foram de puro pânico. Eu não conseguia dormir, pensando no temor que testemunhara. Cada uma das atrações, a menção da palavra com “C” ou qualquer outro termo que se referisse à traumática experiência circense me paralisavam. A assombração, ampla, geral e irrestrita, só foi amenizada quando, semanas depois, me foi mostrado o jornal que anunciava que “A Tenda Mais Famosa do País deixa a Cidade”. Mas a verdade é que, depois, disso nada foi o mesmo.
Conforme fui crescendo, o medo assumiu perspectiva, devo dizer. Agora, sem mais berros ou soluços. Em seu lugar, no entanto, discretas mãos geladas, falta de ar e um aperto no peito inevitável. A lembrança daquele fatídico dia (minha única experiência com a barbárie, devo ressaltar) paralisa. E, se antes a questão era apenas a família, digo que, agora, “medrosa” é quase que um termo automático.
Palhaços e buzinas me impedem de viver como qualquer adolescente normal. Ao estudar História, “Pão e Circo”. No semáforo, “Malabares”. Quando faço uma piada ruim, logo vem o comentário: “Palhaça!”. E quando é necessário cautela “Estamos andando numa corda bamba”. A questão é que, evidentemente, meu dilema ultrapassa o campo semântico. Você alguma vez já se sentiu encurralado, amedrontado, terrivelmente ameaçado depois de um convite entre amigas? Pois é, o que dizer quando te convocam para assistir à estreia de “It – Capítulo Dois” À MEIA-NOITE? Desculpem-me se aceitar a proposta não me parece uma decisão exatamente prudente.