COMPREENDER O RISO É UMA PIADA (Redação FUVEST 2022)

De acordo com os estudos do linguista Noam Chomsky sobre a “Gramática Universal”, é possível que o riso, como ferramenta da comunicação humana, seja intrínseco na manifestação da linguagem em todas as culturas. Segundo o acadêmico e vários estudiosos, o riso dispõe de uma vasta gama de significados, faces, pretensões e funções na teia social. Apesar de, segundo o pesquisador George Minois, ser alvo de estudos há séculos, as origens e explicações acerca do ato de rir permanecem inefáveis; ainda sim, é evidente seu valor para a identidade cultural e sua função como veículo de expressão social ao longo da História.

Noam Chomsky

A priori, o riso ultrapassa barreiras étnico-culturais e prostra-se como marcador de visões, valores, crenças e vícios particulares de cada sociedade. Na obra “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro, o antropólogo avalia que, dentro das terras brasileiras, existem diversos “Brasis”, gerados pela colonização, imigração e expansão históricas das pessoas. Neles, escalas de valores e percepções humorísticas submetem-se às diversidades sociorregionais existentes. Nessa ótica, por exemplo, o que um paulistano julgaria ser uma risada afetuosa, para um indígena Marajoara seria um ato de desrespeito. Analisar as situações de riso de cada povo constitui-se, logo, de um estudo antropológico e compreendê-las trata-se de uma forma de marcar tradições e costumes culturais específicos de uma sociedade. 

A posteriori, o caráter expressivo e significativo do riso coloca-se, também, como um véu turvo para manifestações comerciais-financeiras, políticas e ideológicas. De acordo com Michel Foucault, “Nossa sociedade não é feita de espetáculos, mas de vigilâncias”; dessa maneira, o riso adota caráter vigilante diante das problemáticas da sociedade, pois dispõe, nesse contexto, da função social de protesto e/ou manipulação. A título de exemplo, o riso é frequentemente utilizado na arte como protesto, sendo o artista chinês, Yue Minjun, um dos expoentes dessa tendência por suas obras utilizarem o riso para trazer ridicularização e reflexão no âmbito político. Segundo os estudos das “Ferramentas de Manipulação de Massas” de, novamente, Noam Chomsky, o humor, comercialmente, é utilizado em propagandas que pretendem associar o bem-estar fisiológico do riso aos bens materiais, angariando o consumo. Por fim, seja como resistência ou protesto, visão endossada pelo falecido ator Paulo Gustavo, seja como veículo de manipulação, o riso é, deveras, recheado de significados mais profundos e semióticas estratégicas que transpassam o seu aspecto de expressão meramente físico-corporal. 

“Expressão nos olhos” – Yue Minjun

Em síntese, o riso é um comportamento inerente e universal, dispondo de múltiplas funções no meio social. Como marcador cultural ou veículo de manifestação o riso deve ser analisado, de acordo com Henri Bergson, em seu “ambiente natural”: a sociedade. No entanto, persistem as dúvidas acerca das razões, origens e padrões do riso; resta aos inquietos estudiosos adotarem a concepção socrática do desconhecido (“Só sei que nada sei”) e encarar o seguinte fato: compreender o riso é, realmente, uma piada. 

*Texto produzido na prova da segunda fase da FUVEST 2022. Nota: 43/50.

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