Sobre Amores Inglórios
Só de biquíni e moletom, debaixo da coberta. Ao som ensurdecedor das batidas de um coração. Dois corações? Vodka, sono, conforto embaçavam o mundo. Mistificavam o instante. A luz, tão tão distante, se não apagada. A televisão assistindo aos espectadores. O vento carregando tudo, corcunda com sua leveza. Duas bocas encontravam seu jeito de dizer as palavras que lhes eram negadas. Um beijo que fazia cegos, surdos, anósmicos. Mais que por qualquer sentido, um beijo que gritava por significado. Um beijo de quem precisava desesperadamente. Um beijo cuja poesia era tanta que só fora possível nesse limbo lindo entre o sonho e a realidade. Lento, cuidadoso, profundo. Um beijo íntimo. Um não, vários. Seguros. Perigosos. Como não dar nome ao gato?
Mas o beijo era parnasiano. Tinha gosto de cerveja. Rascunhava um sentimento inexistente. Dava dor nas costas. Contornava um sentimento que nunca podia existir. Adormecia o braço. Não podia nem brincar de existir. Coloria uma amizade que era linda em alvinegro. Ela de biquíni e moletom, ele colocou o terno. Quanta ternura! Um plano alexandrino escrito em lâmpadas incandescentes que se pensavam estrelas. Tolice, achar que o calor era comparável. Escuro estava que era só uma brasa que, fogo qualquer, esgota o ar. Mas só até se extinguir, ainda devendo uma sílaba. Eterna enquanto durou, e depois só cinzas.
Mas fuligem mancha. Mancha que esclarece o mundo. Mancha que não tem álcool que tire. E estrelas desmoronam em meteoros, chorando porque o que protege do belo é a distância. O ar incandesce quando finalmente chega aos pulmões. E enquanto o beijo fez cegos, surdos, anósmicos, esqueceu que o amor é feito de olhares, vozes, e perfumes azuis. Com o resquício de tato, se toca que o beijo era refém do místico, da luz, da televisão e do vento. Era produto de um momento. Refém dos corações, que estavam próximos demais um do outro para se aproximarem de qualquer lógica. E é, agora, refém da imaginação, que desenha com carvão apagado. E por isso o beijo, parnasiano aguado, está fadado a ser para sempre romântico.