Before Sunrise

Hoje eu sentei para jantar sozinha e pensei em colocar um filme para assistir enquanto comia. Como qualquer maluco que já viu 400 filmes na vida vai entender, eu passei pelo dilema de colocar um filme bobinho ou uma obra de arte do cinema – ambos ótimos em contextos completamente diferentes. Ponderei por uns segundinhos e, rendida ao cansaço de uma vestibulanda doente numa quinta à noite, apostei no tranquilinho: Before Sunrise – mal sabia eu que estava comprando lebre por gato. 15 minutos depois, eu estava em choque. As personagens principais agora já se conheciam e estavam tendo altos devaneios sobre a morte. 30 minutos e eu não conseguia mais entender porque nunca tinha visto esse filme antes. Uma hora e eu percebi que estava sorrindo há sabe-se lá quanto tempo. Uma hora e vinte e a minha irmã interrompe meu filme pra conversar. Nesse ponto, você precisa entender que eu já tinha aceitado “Before Sunrise” pela obra de arte que ele é. Papo vai, papo vem, Isa vai embora e eu acabo o filme.

Minha cabeça parou. Eu não sei como era minha vida antes de ver esse filme, mas imagino que mais cinza um pouco. Não me leve a mal, eu vi Laranja Mecânica e Casablanca na última semana e entendo o que é cinema de qualidade, mas os filmes que me pegam mesmo são esses que, com carinho e jeitinho, mudam sua vida em menos de duas horas. O filme narra a noite de Céline e Jesse, que não se conheciam mas toparam passar uma noite juntos em Viena, e é simplesmente isso que ele entrega. São duas horas deles conversando conforme a cidade vai ficando mais deserta, mais escura, mais brilhante, mais romântica… Monólogo atrás de monólogo, o filme é permeado de discussões filosóficas, de comentários bobos e de viradas de olho em que os atores tão brilhantemente entregam o que os personagens queriam esconder. Aquelas duas pessoas – que foram escritas e planejadas mas parecem tão reais quanto eu e você – toparam criar, naquele momento, um mundinho só delas. Toparam se conhecer sem o bias de amigos em comum, sem a perspectiva de um futuro, sem medos ou pretensões. E, no cenário lindo que Viena prepara pra eles, isso basta. 

Assistir a Before Sunrise é, de verdade, como assistir ao nascer do Sol. É assistir ao amor, no lugar de assistir a um filme sobre o amor. É tudo tão legítimo, tão perfeito, tão real, que fica difícil conter o envolvimento e opinar tecnicamente sobre esse filme. Mas o importante é que a premissa não funcionaria se tudo não tivesse sido tão bem executado – roteiro, atuação, cinematografia e trilha sonora, especialmente. Quando os créditos rolaram, eu tive a impressão de sair de um transe. Até aquele momento, eu estava vivendo numa Austria utópica na qual podemos discutir a morte e o amor com estranhos. Na qual cada ruazinha é repleta de significado e cada música é romântica, e agora eu tenho a chance de viver, mesmo que no mundo real, com um pedacinho dessa Vienna perfeita. Me recuso a falar sobre esse filme com imparcialidade, ele merece mais, então vou parar por aqui, fechar os olhos e esperar o sol nascer amanhã na minha recém recolorida Viena particular.

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