Só os muito tolos olham pra frente em SP

Avenida Paulista. Os operários de Tarsila formam marolas de cabeças no imenso mar que inunda a selva de pedra. Deserta, afinal, não seria selva. Carolas cambaleando, miras telescópicas buscam um alvo na turbulência cosmopolita. Na altura dos olhos, o campo de visão é obstruído por outros tantos. Já era para estar claro que o lugar de que se vê não é mais que um mero ponto de vista. Basta olhar para o lado que a paisagem muda completamente. O mundo não pode ser fungível assim. Em São Paulo, olham pra frente os apaixonados pela ilusão de ver o caminho, pretensiosos o suficiente para acreditarem enxergar através dos outros. Viram à esquerda na Consolação fingindo saber aonde vão. Atropelam a passagem literária, tão superiores aos sebosos escritores que morreram ali. Seguem o mesmo caminho que a linha amarela, ignorando a São Paulo subterrânea conforme atravessam o cemitério da consolação, pisando em mais modernistas. A rua acaba e, apesar dos esforços, os projetos de Monteiro Lobato se veem aos pés de Mário de Andrade. Meteorologistas previram mar calmo no centro, mas o caminho dos pretensiosos continua obstruído. Artistas vomitam suposta arte apolítica e sem estética nas raízes perfeitamente artísticas da cidade, atrapalhando o observador constitucional de seguir seu caminho que, tão desesperado em chegar a algum lugar, constante, deu no marco zero.

Enquanto isso, um pouco mais ao sul da Nove de Julho, nasce um afluente de mânos paulistanos que julgam a cidade irrelevante perto dos próprios pés. Seguem obstinados em direção ao rio, na esperança de um brigadeiro. Desfilam com narizes empinados o suficiente para encostarem no chão, certos de que o mar de São Paulo não chega aos pés desses surfistas, que carregam em cada mão um mundo tão maior. Brincam de ser metrô, sempre no caminho mais curto, passando debaixo da Paulista. Ignorantes, não notam os homenzinhos que sustentam o mar debaixo do qual corre o eurotúnel deles. Os paulistanos com delírios de grandeza só conseguem olhar para baixo. A ciência do chão onde andam os cegos da ignorância quanto ao mundo ao redor. É admirável, no mínimo, a determinação dos obstinados, seguros o suficiente para acreditarem que têm controle sobre seu caminho. Atravessam os jardins sem notar as flores. Se a vida os desse limões, deles fariam lima. Sempre para baixo, o rio afluente desemboca na casa dos deuses gregos – o nome foi dado antes de 2008 e pede um rebranding. Pós-modernos de cartola veem sua reflexão contra-plongée na água do Pinheiros e acreditam ser do tamanho dos prédios que construíram.

Mas o bom paulistano chegou à cidade de charrete e, bandeirante, catequiza os mânos que encontra pelo caminho. São Paulo é o que acontece sobre a cabeça de quem aqui vive: o único jeito de conhecer a cidade é olhando para cima. Os mais autênticos dos locais entenderam que a parte mais linda de São Paulo é que pouco importa o chão em que andam ou o caminho que tomam frente à grandeza do que podem ser. Olhando para cima, o mundo que se enxerga é independente da direção tomada. As pedras no meio do caminho são grãos de areia no fundo do mar, que nada mais é que garoa acumulada. São esses os espertos, que enxergam nos prédios só os andares seguros da pichação e admiram o histórico no centro, que nas ruas dos Jardins colecionam carimbos no passaporte. É fácil ver no espelho um autorretrato, mas é preciso olhar muito alto para enxergar nos prédios espelhados refletida a cidade que importa. E que lindo é ser a pequena prosadora eufuísta que vê isso escrito no mapa de São Paulo.

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