REFUGIADOS ‘PERPETUUM’ (Redação FUVEST 2023)

De acordo com a teoria da Necropolítica, proposta pelo pensador africano Archille M’bembe, os Estados contemporâneos legitimam o descaso e inobservância perante grupos sociais, de forma a fragilizar indivíduos em vulnerabilidade social, como é o caso dos refugiados ambientais. Estes têm forçadamente se deslocado de suas regiões de origem, graças aos frutos das mudanças climáticas, cujas consequências, segundo o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), envolvem secas, desertificação dos solos, aumento dos níveis dos mares e eventos climatológicos extremos. Tendo em vista tal contexto, apesar da manifesta vulnerabilização de diversos indivíduos, a necropolítica atua no descaso com as mudanças climáticas, materializando o “deixar morrer” para com os novos refugiados. Dessa maneira, na sociedade contemporânea, a qual o sociólogo francês Jean Baudrillard classifica como alheia às classes desfavorecidas, devido à abundância, “obesidade”, em que vivem as elites, a fragilização social dos refugiados ambientais desnuda o rompimento com seus direitos humanos, fato este que denota um aprofundamento das desigualdades inerentes ao sistema capitalista atual.

Na Antiguidade Clássica, a problemática dos refugiados era recorrente, devido a conflitos como as “Guerra Médicas”, de tal forma que Platão a tratava à luz da boa prática política: inserir estrangeiros, como os demiurgos, em estratos sociais a eles devidos. Em outra perspectiva, Immanuel Kant, séculos à frente, inaugurou a ética universalista, por meio da qual se tornava imperativo, um “dever”, garantir direitos básicos, fomentando o alcance de tais normativas aos grupos vulneráveis, como os refugiados. No mesmo sentido, o desenvolvimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, representou a sistematização da proposta kantiana, estabelecendo princípios fundamentais para guarnir humanidade e respeito no tratamento de qualquer indivíduo, incluindo os chamados refugiados ambientais. Em contrafluxo, apesar das construções idealistas e marcos políticos, a mundial necropolítica dos Estados perpetua o descaso perante os direitos dos refugiados ambientais, abstendo-se do combate às mudanças climáticas e, muito mais, de políticas de acolhimento aos tais indivíduos, cujas condições de vida impuseram-se, abruptamente, precárias.

Em outra análise, a crise dos refugiados ambientais, que projeta uma vertiginosa escalada até 2050, segundo o Banco Mundial, aprofundará o abismo socioeconômico sintomático do modelo de produção capitalista. Nesse viés, para o historiador inglês Eric Hobsbawm, a história do século XX persiste na imposição do teatro das ideologias meritocráticas burguesas, incutindo na mentalidade dos mais pobres o complexo de refém de uma luta impossível de ascensão social. Para os refugiados ambientais, grilhões das mudanças climáticas e o descaso estatal perante às suas condições o acorrentam à desumanidade típica da desigualdade social. Como consequência, com base no livro “O Capital no Século XXI”, de Thomas Piketty, observa-se que a pulsante concentração de renda do neoliberalismo capitalista vigente imutabiliza qualquer mobilidade social, o que agrava, notadamente, a condição díspar imposta aos refugiados ambientais. 

Banksy

Com isso em mente, é crucial salientar que o paradigmático rompimento de direitos dos refugiados ambientais denota, de um lado, o descaso necropolítico estatal de M’bembe, em que a estrutura governamental invalida o suporte ao tais migrantes, e, de outro, a perpetuação e aprofundamento das desigualdades sociais do capitalismo. Em último caso, os refugiados ambientais se tornam “perpetuum”, uma vez que, desprovidos de suporte qualquer e sujeitos aos espólios do Capital, restringir-se-ão ao repetido destino de párias contemporâneos.

Texto produzido na prova da segunda fase da FUVEST 2023 por Matheus Mascarenhas.

Nota: 45/50.

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