Dorian Gray
“Se o homem da caverna tivesse aprendido a rir, a história seria diferente”
“A vida tem sido a sua arte. Você transcreve-se em música. Os seus dias são os seus sonetos.”
“Eu apenas conhecia as sobras, e as julgava reais”
“Devemos absorver o colorido da vida, mas não recordar os detalhes. Os detalhes são sempre vulgares.”
“E, sem dúvida, para ele a Vida era, em si mesma, a primordial, a mais grandiosa de todas as artes”
O RETRATO DE DORIAN GRAY: ENSINARA-LHE A AMAR SUA A PRÓPRIA BELEZA… ENSINARIA-LHE A ODIAR A PRÓPRIA ALMA?
Eu mal via a hora de poder escrever sobre esse livro, o meu livro favorito na vida, e, agora que ela chegou, nem sei por onde começar. Sabe aquele livro que mexe com você? Que te encanta até nos mínimos detalhes e fica passando pela sua cabeça mesmo semanas depois de você virar a última página? Fazia um bom tempo que eu não encontrava nada assim, até Dorian Gray aparecer. Eu ganhei o livro de Natal, mas, apesar de ser a maior fã de livros físicos, acabei cedendo a praticidade de terminar minha leitura pelo celular, simplesmente pelo número de frases incomparáveis que eu não podia deixar de destacar.
O Retrato de Dorian Gray foi inicialmente uma história escrita por Oscar Wilde e publicada numa revista em julho de 1890. No entanto, Wilde publicou uma versão mais longa da história, o livro como conhecemos hoje, em abril do ano seguinte. Eu juro que não consigo agradecê-lo o suficiente. A obra começa com um pintor, Basil Hallward, pintando o que prometia ser sua obra prima: um retrato de Dorian Gray, um jovem menino, famoso por sua beleza, e a maior e única inspiração do pintor. Durante esse encontro, Dorian conhece Lord Henry Wotton, um homem cínico e extremamente sincero, que consegue convencer o menino de que a beleza, apesar de ser seu bem mais precioso, é temporária, e que a vida de Dorian não seria a mesma quando essa se esvaísse. Frustrado e amedrontado frente à percepção do Lord Henry, Dorian olha para o seu recém pintado quadro, ciente de sua aparência inigualável pela primeira vez, e inveja que o quadro pudesse continuar exatamente igual enquanto sua própria beleza definhava, desejando com todas as forças que o contrário pudesse acontecer. Não muito depois, Dorian começa a perceber as mais sutis mudanças no quadro, e ele não demora a perceber que seu desejo se realizou. No entanto, quando o mundo para de deixar no rosto de Dorian Gray as cicatrizes de sua vida e o seu olhar de inocência é perpetuado, essa noção começa a mexer com a cabeça e a moral do personagem. Gradualmente, Dorian vai se tornando uma pessoa abominável, vazia, inconsequente e má, que se importa com pouco mais que sua aparência. Mas mais que isso, ele começa a ter muito medo: de si mesmo, da maneira como os outros o veem, do poder de sua beleza, de sua farsa ser descoberta e, principalmente, do maldito quadro — esse ele literalmente cobre e tranca numa torre. É claro que ele enlouquece.
Se essa premissa já não te interessou, eu com certeza não consegui explicar direito, mas a minha admiração pelo único romance de Oscar Wilde ainda vai muito além, começando pelo fato de que esse livro foi escrito há mais de um século. Eu sempre fico encantada com livros velhos e como eles traduzem e eternizam medos, sentimentos, peculiaridades e características de uma sociedade desse passado já tão distante; é como ler a história em vez de ler sobre ela. E, ok, o fato de eles já terem caído em domínio público também não atrapalha… Mas eu sinto que Dorian Gray coloca pessoas muito reais, com problemas muito reais, sob uma lente um tanto mais poética, que nos faz perceber o quanto a vida é significante. O próprio Oscar Wilde dizia que o livro era uma autobiografia, no sentido que “Basil Hallward é quem eu penso ser, Lord Henry é quem pensam que sou, Dorian é quem eu queria ser — ou já quis, em algum ponto”. Cada personagem é envolvente e único, deixando uma marca nessa história incomparável.
A segunda coisa que eu amo em Dorian Gray é a maneira como ele poetiza a vida e a arte. Enquanto Lord Henry doutrina Dorian descaradamente, ele nos ensina muito sobre a sua visão de vida egoísta e hedonista, mas, ao mesmo tempo, acaba lhe atribuindo um significado lindo. E isso vai muito além do clichê de “só se vive uma vez”; ele coloca a vida como uma verdadeira obra de arte e, mesmo quando o foco da história se torna a morte, até ela é vista com muito mais significado, afirmando que a noção de eternidade só estraga as coisas. Da mesma maneira, o livro é uma carta de amor a toda forma de arte, vindo desde o prefácio, cuja primeira frase já diz que o artista é o criador de coisas belas: em meio à sua obsessão com a beleza, Dorian começa a enxergá-la nas menores das coisas. E eu sei que clássicos, no geral, tendem a pesar na mão das descrições, mas cada detalhe nas dessa narrativa é tão embebido nessa vivacidade que é impossível ficar cansativo. Tudo isso é complementado pela linguagem que, ainda que pouco complexa, é bonita e bem pensada, tornando o visual e a fluidez do livro ainda mais mágicos e deixando o leitor apaixonado pela vida e uma maravilhosa vontade de vivê-la.
Para finalizar, é difícil falar de Dorian Gray sem tocar na sua interpretação da sociedade londrina, em cuja ascensão de Dorian é inteiramente dependente e baseada na sua beleza. Isso já diz muito; ao longo do livro, todos são obcecados com a imagem que passam para a sociedade e com a maneira como são vistos. Era uma época em que “parecer” era mais importante que “ser”, e é isso que Lord Henry ensina ao inocente e jovem Dorian quando decide moldar sua personalidade. Há quem desafie essa noção no próprio livro, com destaque para Gladys, uma personagem que aparece pouco demais e tem a discussão mais interessante que já li com Lord Henry, lhe dizendo que ele valoriza demais a beleza — afirmação que é por Henry rebatida com a sua convicção de que ser belo é melhor que ser bom, ainda que ser bom seja melhor que ser feio. No clímax do livro, esse temor das aparências, que é uma consequência direta do valor a ele atribuído, acaba se mostrando a falha fatal de Dorian Gray.
Além disso, vale dar destaque aqui para a mais famosa de suas adaptações para o cinema, de 1945, que, traduzindo trechos verbatim e elevando a beleza da obra do papel para as telas, fez por merecer pelos seus três Oscars — que, claro, incluem fotografia e direção de arte. E é assim que eu termino essa resenha: mais que te sugerindo o livro, eu estou aqui te pedindo que o leia. De todas as maneiras possíveis, “O Retrato de Dorian Gray” é profundo, genial, esperto e belo. Ta aí um elogio que os personagens desse livro gostariam de receber!